18.10.06

"A minha alma partiu-se como um vaso vazio"

Ainda a pensar nestas coisas recorri, desta vez, a Álvaro de Campos para melhor entender o vazio:

    APONTAMENTO

A minha alma partiu-se como um vaso vazio.
Caiu pela escada excessivamente abaixo.
Caiu das mãos da criada descuidada.
Caiu, fez-se em mais pedaços do que havia loiça no vaso.

Asneira? Impossível? Sei lá!
Tenho mais sensações do que tinha quando me sentia eu.
Sou um espalhamento de cacos sobre um capacho por sacudir.

Fiz barulho na queda como um vaso que se partia.
Os deuses que há debruçam-se do parapeito da escada.
E fitam os cacos que a criada deles fez de mim.

Não se zanguem com ela.
São tolerantes com ela.
O que era eu um vaso vazio?

Olham os cacos absurdamente conscientes,
Mas conscientes de si mesmos, não conscientes deles.

Olham e sorriem.
Sorriem tolerantes à criada involuntária.

Alastra a grande escadaria atapetada de estrelas.
Um caco brilha, virado do exterior lustroso, entre os astros.
A minha obra? A minha alma principal? A minha vida?
Um caco.
E os deuses olham-o especialmente, pois não sabem por que ficou ali.

Álvaro de Campos, 1929

17.10.06

Ainda sobre o Vazio

Segundo a Wikipedia:

Emptiness is described as an illusive and disturbing feeling of numbness, inability to feel anything emotionally, or not having any purpose. It can be better described as a situation where a certain lack or lacks in one's life overtake the emotional and mental focus in an obsessive, sometimes subconscious manner. Feelings of emptiness often accompany depression, loneliness, despair, or other mental/emotional disorders such as borderline personality disorder. It may seek expression through different types of self-harming behaviors, and in more extreme cases, suicide.

Emptiness often involves alienation, be it temporary or acquired, and sometimes self-hatred. Persons tending to feel emptiness often come from problematic familial backgrounds. If at all there was a family nucleus, their needs were ignored, they were considered second class, they experienced many separations, or there was outright abuse.

A feeling of emptiness may also be temporary, as a result of separation, death of a loved one, or other significant changes to one's life. This used to be a non-talking subject, but is starting to come more and more out in the public.

12.10.06

Sobre o sentimento de vazio

Pensava eu se o vazio terá algo a ver com o sentimento de solidão. Sentimo-nos vazios porque estamos sós? Porque nos sentimos sós no meio de quem faz parte das nossas vidas? Será a solidão desespero? Talvez um grito?




Edvard Munch

Chuva Oblíqua

Fui desafiada pela satine a partilhar este blog com ela.
Tenho o meu próprio blog, mas não tenho a paciência dela nem o talento nem a dedicação para escrever.
Estou sempre demasiado ocupada com nada, com o grande vazio que é a minha vida...vista de fora se calhar até nem é, mas é aquilo que eu sinto. E como é aquilo que eu sinto, passa a ser para todos os efeitos a realidade...pelo menos a minha.

Para iniciarmos este blog em grande deixo aqui o poema do nosso companheiro que dá precisamente o nome ao blog.


Atravessa esta paisagem o meu sonho dum porto infinito

E a cor das flores é transparente de as velas de grandes navios

Que largam do cais arrastando nas águas por sombra

Os vultos ao sol daquelas árvores antigas…



O porto que sonho é sombrio e pálido

E esta paisagem é cheia de sol deste lado…

Mas no meu espírito o sol deste dia é porto sombrio

E os navios que saem do porto são estas árvores ao sol…



Liberto em duplo, abandonei-me da paisagem abaixo…

O vulto do cais é a estrada nítida e calma

Que se levanta e se ergue como um muro,

E os navios passam por dentro dos troncos das árvores

Com uma horizontalidade vertical,

E deixam cair amarras na água pelas folhas uma a uma dentro…



Não sei quem me sonho…

Súbito toda a água do mar do porto é transparente

E vejo no fundo, como uma estampa enorme que lá estivesse desdobrada,

Esta paisagem toda, renque de árvores, estrada a arder em aquele porto,

E a sombra duma nau mais antiga que o porto que passa

Entre o meu sonho do porto e o meu ver esta paisagem

E chega ao pé de mim, e entra por mim dentro,

E passa para o outro lado da minha alma